domingo, 30 de setembro de 2012
Retratos
Mandei você embora numa típica cena de cinema. Na ânsia de que tudo acabasse logo, arrumei suas malas e me libertei da sua presença. No dia seguinte, logo pela manhã, seus objetos pessoais me incomodavam tanto que a cada coisa que eu via era como se abrisse um pouco mais aquela ferida deixada por nossa história desgastada. Coisas que no cotidiano eram imperceptíveis pareciam me perseguir a todo instante. Um simples porta lápis, o chaveiro da caixa de correios trazido de uma viagem que você fez, sua xícara de café personalizada, enfim, tudo te trazia de volta pra dentro de casa. Tratei de encaixotar tudo. É assustadora a quantidade de coisas suas na minha casa. Acho que posso dizer que a metade dos trecos que compõem a decoração são seus. Mas assustador mesmo foi me dar conta que a revista que você é assinante tem o meu endereço de entrega. Você não mantinha algumas coisas aqui pra facilitar a questão de passar o final de semana comigo. Mas você morava aqui e mantinha uma outra casa pra facilitar a questão de formalizar uma vida conjugal. Depois de quase tudo nas caixas, eu já meio que anestesiada da raiva que suas coisas me despertava, cheguei a dar risada lembrando das circunstâncias de cada objeto. Sim, é verdade que não podemos dizer que fomos infelizes juntos. Coloquei tudo no carro e o porteiro do seu prédio ainda me permite entrar sem ser identificada. Com a chave do seu apartamento nas mãos, prefiro tocar a campainha. Não sei se por medo de ser invasiva ou por medo de ver algo que não estava preparada. Você reage com surpresa por eu não ter entrado como de costume. Até que percebe o que há dentro da caixa que carrego e me parte o coração ver seus olhos lacrimejados. E você coça a cabeça daquele seu jeito como quem diz "que merda" e me ajuda com o peso. Só tive palavras pra dizer que ainda tinham mais duas caixas no carro. Nunca foi tão difícil respirar. Que situação mais estranha. Trocamos palavras como dois desconhecidos e nada de beijo, nada de abraço, nada. A casa vazia me torturava e nossos retratos pelos móveis e paredes eram minha companhia. Logo eu, que dei o primeiro passo pra tirar você de vez da minha vida, fico horas vendo o que sobrou de nós dois. É um apego quase infantil, como aquelas crianças que só dormem com um bichinho de pelúcia do lado ou com algum lencinho nas mãos. A tua falta dói, e choro baixinho num canto qualquer como se me escondesse pra que ninguém me ouça ou me veja. Escondo-me de vergonha mesmo. Fui eu quem decidiu o fim, quem tomou a iniciativa de abrir mão de tudo por conta de alguma coisa que não andava bem. E pra falar a verdade, eu nem lembro mais o que me motivou a tomar essa atitude. Muitos dizem que estou assim por causa dessas fotos que ainda estão espalhadas pela casa, que elas agem como fantasmas que assombram a todo o momento. E dizem que a melhor solução é queimar tudo, porque guardá-las seria como deixar a poeira embaixo do tapete. Confesso que juntei boa parte delas, peguei o isqueiro, mas faltou coragem. E sinceramente, não acredito que o simples fato de queimar tudo vá fazer com que eu esqueça o que foi vivido e preencha esse vazio que a sua ausência deixou. Pego o telefone e ligo pra saber com você está e com a desculpa mais esfarrapada de contar um sonho que tive. Falo o quanto a sua falta me desestabiliza, o quanto fico perdida e que a saudade causa a dor mais angustiante que alguém pode sentir. Que ver nossos retratos me fez enxergar o quanto os pequenos detalhes eram maiores. E perceber que talvez eu ainda queira, ainda sinta, talvez eu ainda te ame.
segunda-feira, 24 de setembro de 2012
Quando a saudade vem
Da janela, vejo que lá fora tudo continua igual. O movimento das pessoas para todos os lados, as luzes que acendem e apagam, o Sol que às vezes amanhece e às vezes não, a chuva que vez ou outra aborrece. Na minha casa, é cada vez menor o fluxo de gente. É que talvez eu esteja fazendo mais questão daquilo que seja realmente valioso, talvez as pessoas estejam ficando cada dia mais sem verdade, ou vai ver eu fiquei mais chata que o habitual. Dentro de mim, é a saudade que impera. Sinto falta daquela troca de olhar cheio de cumplicidade que dispensa qualquer mínima palavra, sinto falta das cantorias pela estrada na volta de alguma viagem e também das receitas super elaboradas de macarrão instantâneo que a gente inventava. Porque junto com isso, é desesperador estar de "TPM" e não ter você aqui pra eu poder cair no choro sem nenhum motivo aparente e você saber exatamente todos os motivos das minhas lágrimas. E se eu estiver insegura, com medo, não ter aquele abraço encorajador faz uma falta tremenda. Sei que todo mundo tem dias ruins, mas ter uma casa pra ir, onde você consegue respirar mais sereno é o que faz a diferença. Porque saudade é isso, um sentimento corrosivo e doloroso que te afasta de tudo que é superficial até que você se acolha dentro de si e rebusque a tua essência.
quarta-feira, 19 de setembro de 2012
Entre idas e vindas
Que poder esse seu de despertar raiva e desejo! Eu odeio com todas as minhas forças essa sua mania de fingir que não me conhece na frente de algumas pessoas. Mas amo loucamente quando destraída, você se aproxima por trás, me abraça a cintura e dá aquele beijinho atrás da orelha que me arrepia inteira. Sua forma estranha de se ausentar, seu perfil racional nas questões emocionais, a frieza com que você encara as dores do mundo, isso tudo me deixa meio perdida, me fogem os argumentos e até prefiro me afastar. Entretanto, é na delicadeza que você toca meu rosto, na forma sutil e desastrada que você me critica, naquele jeito deliciosamente lindo que você morde os lábios e pisca os olhos quando ouve uma música que te faz lembrar alguma coisa e na sua voz rouca que me estremessem até as visceras. É exatamente nisso que me encontro. Na sua capacidade de me fazer sorrir o sorriso mais aberto. E alí, eu viveria leve feito bola de sabão. Mas quando tudo parece entrar nos eixos, sabe lá porquê, você faz questão de mostrar que nem tudo são flores. E a vida sem você não é tão mau. É só me acostumar mais uma vez ficar sem aquilo tudo que me faz sentir a mulher mais sensacional que um homem pode ter ao seu lado. Acredite, é bem mais simples que te amar. E pra ser mais franca, o preço que se paga é sem dúvidas menor que comprar uma história sem profunda entrega. E me contento com pedaços de amor que acontece todas as vezes que a gente se encontra. E mesmo que você finja que nada aconteceu, que se comporte como se não soubesse os motivos que te fez ir embora, eu te recebo desarmada. Porque sentir que não me esqueceu é quase a mesma sensação que sentir vestígios do seu cheiro em algum canto da casa quando a saudade aperta o peito. O melhor disso é que nunca tem um fim. É uma história escrita em diversos volumes como aqueles filmes que terminam sem final feliz, mas que as reticências sempre nos permite uma nova oportunidade. E assim a gente vai montando esse nosso quebra-cabeça ilimitado de idas e vindas. Porque eu odeio com todas as minhas forças essa sua insistência em manter certas aparências, mas amo loucamente esse cabelo raspado que te deixa com ar de durão misturado com esse sorriso canto de boca que tem sabor de menino.
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